Candidatos ruins, propostas velhas, debate morno e audiência pífia por Sylvio Micelli

Candidatos ruins, propostas velhas, debate morno e audiência pífia


por Sylvio Micelli

O primeiro debate entre os candidatos à presidência da República,
promovido pelo Grupo Bandeirantes e suas diversas mídias, foi uma
decepção. Ressalte-se, aqui, a importância da realização de debates e,
historicamente, a Bandeirantes sempre deu o pontapé inicial nas eleições
desde o primeiro encontro lá em 1982.

Os candidatos, no geral, foram fraquíssimos. Cheguei a ler em algum
lugar, um comentário de um crítico que dizia ter sentido “saudade do
Aureliano Chaves”. Para os abaixo dos 30 anos, que nem sabem quem foi o
político mineiro, abro aqui um parêntese.

Aureliano Chaves foi governador biônico de Minas Gerais nos anos 70 e
foi o último dos vice-presidentes do regime militar. Atuou na gestão do
general João Baptista de Oliveira Figueiredo até 1985 e com o
presidente José Sarney foi ministro de Minas e Energia até 1988. Pouco
expressivo, daí a ironia crítica de se ter saudade de sua performance,
tentou a eleição na disputa presidencial de 1989, quanto “trocentos”
candidatos concorreram na primeira eleição direta depois de quase três
décadas. Teve uma votação inexpressiva com cerca de 0,9% dos votos e
terminou o pleito em oitavo lugar. Encerrou sua vida política filiado ao
PSDB.

Voltando a 2010, o debate mostrou uma carência total dos candidatos.
Se o crítico disse ter saudade de Aureliano Chaves, eu tive saudade de
Mário Covas, Jânio Quadros, Leonel Brizola e, pasmem, até de Paulo
Maluf.

Dos candidatos

O “hipocondríaco”

José
Serra (PSDB), com sua empáfia habitual, foi tragado durante o debate.
Desatento, não prestava atenção às perguntas formuladas. Falou a maior
parte do tempo sobre as questões de saúde, o que lhe rendeu a ironia do
candidato Plínio de Arruda Sampaio que o chamou de “hipocondríaco”.
Chegou até a falar de cirurgia de varizes, assunto de somenos
importância diante do caos da saúde brasileira. De prático disse apenas
que irá criar a Nota Fiscal Brasileira, a exemplo da Nota Fiscal
Paulista, um embuste que serve para dar grandes prêmios a poucos e que
não resolve os colossais problemas tributários do Brasil.

Para quem é de São Paulo, conhece José Serra de longa data. Ele faz
com que eu lembre de uma antiga propaganda de um jornalão paulista. Ele
tem “cara de conteúdo”. Faz a alegria da centro-direita dominante.
Julga-se acima do bem e do mal. Mas não sabe dialogar com as massas.
Odeia ser lembrado que faz parte da turma do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin e relata uma série de coisas que
pretende fazer em nível nacional que não fez em nível estadual.

O “poste”

Dilma
Rousseff (PT) tentou provar que não era um “poste” como se imaginava e
que só está no pleito por indicação direta e explícita do presidente
Lula. Nervosa e gaguejando algumas vezes em seu primeiro debate, perdeu o
tempo das falas por diversas vezes. Assumiu, publicamente, que será a
continuidade (ou continuismo?) da atual administração. Deitou a falar
dos feitos dos oito anos de Lula e da inserção do Brasil no mundo.
Também passou longe dos grandes temas nacionais. Trouxe, como os outros
candidatos, propostas esgarçadas pelos anos das promessas eleitorais.

Dilma conseguiu provar que fica difícil ser ela mesma, para o bem ou
para o mal, sem o aparato bélico e sem o aparelhamento da atual
administração. Ela não é um poste, mas também não é o “Lula de saias”.
Não tem o mesmo carisma e, caso seja eleita, servirá, salvo melhor
juízo, como ponte para o retorno do mesmo Lula daqui a quatro anos. Por
sinal este é o sonho da maioria dos petistas que conheço.

A “ecocapitalista”

Marina
Silva (PV) foi quem teve a atuação mais fraca. Não conseguiu se
desvencilhar dos dogmas da petista que sempre foi, desde quase a
primeira hora. Nem mesmo quando as discussões entraram na área
ambiental, onde reconhecidamente ela é craque, seu desempenho melhorou.
Serviu como base para Dilma Rousseff durante boa parte do debate, o que
ajudou a isolar José Serra. Parecia uma velha dobradinha de petistas de
longa data. Ela, enfim, está no Partido Verde, mas a alma permanece
petista.

Não conseguiu posicionar-se como a “terceira via” que muitos
desejariam. Deve receber votos de ambientalistas e petistas
arrependidos.

O “bobo-da-corte”

Plínio
de Arruda Sampaio (PSOL), outro ex-petista histórico, foi um caso à
parte, num debate insosso. Marujo de outras guerras, do alto dos seus 80
anos, foi o único que conversou com o eleitor, desde o primeiro
momento. Cheio de ironias chamou José Serra de “hipocondríaco”, Marina
Silva de “ecocapitalista” e se referiu à candidata petista como “Doutora
Dilma” de forma sarcástica. Sua participação fez sucesso nas redes
sociais, em especial o Twitter, quando atingiu os Trending Topics (*)
mundial.

Nada disso fará com que ele chegue ao segundo turno. Ele se destacou,
somente, diante da nulidade dos demais, mas com o devido respeito,
exerceu muito mais o papel de “bobo-da-corte” ao trazer um pouco de cor
para um embate anêmico. Suas propostas, as mesmas do petismo ancestral,
são anacrônicas e, certamente, serão repudiadas pelo eleitorado. É bem
verdade que ele se consolidou como a alternativa aos outros três
candidatos que são bem semelhantes, mudando apenas a tonalidade do
discurso. Por isso, e somente por isso, saiu vitorioso e aproveitou,
como diria Andy Warhol, seus “quinze minutos de fama”.

Audiência nula

O brasileiro deu mais uma vez a demonstração de que não está nem aí
com as eleições. E isso se reflete na qualidade do debate. A audiência
média da Rede Bandeirantes foi de apenas 3%, o que equivale a pouco mais
de 180 mil domicílios em São Paulo. Tudo bem que havia uma partida
semifinal de Libertadores no mesmo dia e horário entre São Paulo e
Internacional, mas ainda assim, a audiência foi tão nula quanto à
performance dos candidatos. A Bandeirantes ficou atrás da Globo, SBT,
Record e até da Rede TV!.

Nas redes sociais, o debate esteve mais animado e até apimentado
pelos comentários e ataques feitos pelos correligeonários dos
candidatos. Mas isso é pouco. Num País, onde o analfabetismo digital é
proporcional ao analfabetismo real ficou provado que a maioria dos
eleitores não se envolve com o processo. E todos perdemos com isso.

Perspectivas

Não acredito que o quadro mude nos próximos debates. Nem mesmo nos
encontros entre os candidatos aos governos estaduais. Haverá, cada vez
mais, a polarização entre José Serra e Dilma Rousseff num maniqueísmo
eleitoral que interessa a ambos e que é prejudicial a todos. Muitas
vezes penso o porquê de termos um pluripartidarismo de fachada, que
serve apenas para mostrar o quanto somos “democráticos” e mais nada.
Cada vez mais temos vivido o mesmo bipartidarismo nefasto do obscuro
tempo de Arena X MDB.

Pelo resultado do primeiro debate, nosso atraso endêmico permenecerá
nos próximos quatro anos com reflexos em muitos anos, independente do
vencedor. Como já redigi em outras ocasiões não há projetos de governo.
Apenas de poder interessa. O partido X e o partido Y acusam-se,
mutuamente, de modus operandi iguais que atendem aos interesses para a
manutenção do poder. As grandes reformas, em especial a política e a
tributária, permacerá engavetada sem que se solucione tais problemas.

Mas não há problemas! Em 2014, a Copa do Mundo será aqui. Dois anos
depois, os Jogos Olímpicos serão aqui. Teremos uma farta munição do Panis et circenses habitual para manter o nosso atraso histórico.

Não sou favorável ao voto nulo e até entendo que a eleição para o
Legislativo é mais representativa e fundamental no processo democrático,
mas que estamos mal representados, lamentavelmente estamos.

(*) Os Trending Topics ou TTs são uma lista em tempo real dos
nomes mais postados no Twitter pelo mundo todo. Valem para essa lista as
tagtemas ou hashtags (#) e nomes próprios. A lista não é aberta, isso
significa que o usuário deve estar logado para ter acesso. Os TTs
ganharam tanta força que são comentados frequentemente pelos usuários
como TT e mobilizam correntes para colocar um tema na lista e ter
exposição mundial. Os casos recentes mais famosos foi o “Cala a boca,
Galvão” à época da Copa do Mundo e a “vitória” de Plínio de Arruda
Sampaio no debate da semana passada. Fonte: Wikipedia e Twitter.

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